O país cabe aqui.

Ndaka Yo Wini revela as receitas que o tornaram grande na arena musical

Nesta grande entrevista ao NA, Ndaka Yo Wini revela a força que o move enquanto artista. Tudo ficou mais evidente, quando elencou os elementos que o fazem consistente: “Esses elementos tornam-me num homem forte em aprofundar e ser consistente em alcançar os meus objectivos”

Eis a conversa abaixo.

Fale-nos um pouco de si.

Ndaka Yo Wini, Adriano Xavier Dokas, nome de registo. O Dokas é falha da identificação. Eu não sou Dokas, sou Ndaka porque sou mesmo da família Ndaka.  Musico e pesquisador cultural, Epinógrafo, sou uma pessoa que tenho uma admiração por mim mesmo, pelo facto de eu ser muito corajoso ou seja, enquadro-me numa classe quantitativa, onde poucos têm a coragem de fazer aquilo que eu faço. Então, isto não me eleva como artista, isto não me faz um artista emocionado nem um artista iludido, mas sim, torna-me admirado, eu próprio admiro-me. Certas vezes pergunto-me: Como é que eu me torno nesta pessoa que sou? Mas depois começo a alcançar respostas através daquilo que é o princípio da meditação.

E…

Sempre que fecho os olhos, e trato de rever o quadro de todas as experiências que eu pude viver e daquilo que é o realce histórico da minha família, toda aquela linha patrimonial sobre a arte, que não me tinha sido dados, ou seja, os meus avós não queriam que eu fosse músico, eles faziam as cenas deles e não queriam saber. Não esperavam que o neto ou o filho fosse fazer aquilo. Achavam que música é algo que não dá dinheiro, é algo que não funciona. Receavam também em ter o Ndaka a seguir os mesmos passos. Até a uma certa altura ocultavam-me inclusive a arte para ver se eu não fosse o que eles queriam.

E depois que decidiste avançar…

Quando decidi os meus pais ficaram muito chateados. Quando eu decidi ser artista ficaram muito chateados porque sempre queriam um filho Engenheiro, aquele que fosse salvar a família do ponto de vista financeiro, dar o apoio, mas depois comecei a pensar. E se não fosse Engenheiro seria uma outra coisa. Porquê não fazer algo que me facilita a    exprimir os meus sentimentos, sem ter que cumprir uma ordem de qualquer uma pessoa. Eu posso criar, a arte é de facto um elemento que transpõe toda normalidades, toda  uniformização  e ela concede-nos de alguma forma as invenções de tudo que é impossível.

Como…

Nós podemos inventar o impossível na arte. É disto que eu queria, sempre quis desafiar-me, sempre quis colocar a minha mente e a consciência em conflito para ver o que poderia dar, em que poderia resultar e é claro, este modo de pensar fez de mim um homem muito corajoso, um homem de desafios, de alta responsabilidade cultural, e foi voluntário! Portanto, Ndaka é este, sou uma pessoa muito atenciosa, familiarmente falando, gosto de família, claro que há um determinado limite porque o ser humano por natureza é incompleto, e esta incompletividade torna-nos complexos.

De onde vêem as suas inspirações?

Da natureza, inspiro-me na natureza e sou influênciado por todos, não tenho distinção quando se fala de influência. Tenho dito que a inspiração é a força interna que qualquer um carrega, é tudo que se tem para dar é tudo que se tem para oferecer, é tudo que se tem como património abstrato.

Qual é a melhor coisa na concepção de uma música? Sei que é compositor.

A melhor coisa que poderia partilhar, na concepção musical, é na verdade a comunicação artística. Eu penso que a música é conhecimento porque faz parte do pacote cultural, portanto, na concepção artística ou musico-cultural, a melhor forma de eu poder me comunicar é exprimir o que me vem à alma, é exprimir o amor ao próximo, é dar todos os meus sentidos energéticos, e reciprocamente recebe-las sem esperar nada em troca, materialmente. (Risos)

Já agora, todas as suas músicas têm a sua composição ou contam com o toque de terceiros?

Todas as minhas músicas são compostas por mim, com excepção a música que dá titulo ao álbum, e com excepção algumas intervenções de introdução, vou pegando algumas canções que fazem parte do património do colectivo familiar, portanto, pego e faço uma introdução, mas desenvolvo a composição. A composição desenvolvida é toda minha. Algumas entradas, eu vou pegando alguns efeitos para puder reforçar a essência. Vai me servindo de régua, de guia para não me desviar.

Qual é a fonte das músicas do Ndaka Yo Wini?

Eu tenho um projecto de pesquisa, etinógrafo, e este projecto está faseado e composto por quatro quadros de opções e a ideia é catalogar estas opções em função dos destinatários que me levam a pesquisar.  Ora bem, a primeira fonte é o rural e caracteriza a musicalidade rural, que é o Olukwembo. Segunda fonte vai ser Florestal, terceira a  Montanha, quarta Mar, as águas  e depois vamos falar do Universo, que é uma viagem.

É óbvio que quando falamos de fonte, o elemento primordial é a espiritualidade. Eu defino a espiritualidade como a qualidade humana, o reflexo da qualidade humana, isto é que é espiritualidade. São nossas qualidades, como Africanos nos professamos um tipo de vida, uma forma de viver, nosso modo vivendi diferencia-nos dos outros.

E o que dizer dentro disso?

E claro, que dentro disto existe um volume de informação que vai se destacar como tradição e esta tradição, que foi a multiplicidade de hábitos e costumes (que formam cultura), e é desta cultura que nós somos. Em África o nosso maior problema está na espiritualidade. Nós estamos habituados a tratar os problemas pela copa ou pelas flores e não pela raiz. O nosso problema está exactamente na raiz, está na espiritualidade. Se investirmos na espiritualidade que é, em vez de trabalharmos com o olhar, trabalhamos com a visão.

Que casamento que se pode fazer da natureza e o Ndaka Yo Wini? Afinal, quem ouve as suas músicas, facilmente consegue identificar os sons onomatopaicos.

O casamento é de facto natural, penso que nós nascemos casados com a natureza porque a natureza em si, existiu a 3.000 anos antes dos homens. E se tivermos a fazer outros estudos pode criar conflitos literários. Então, não tem como, o que significa dizer que nós somos filhos da natureza, e se formos a fazer outros estudos, pode causar conflitos literário, então não tem como significa dizer que somos filho da natureza, só que, somos filhos que infelizmente, facilmente nos tornamos padrastos. E é importante que a colheita do conhecimento que nos leva a recorrer a este tipo de mitigação que infelizmente, nós os africanos acabamos de nos destituir daquilo que é o ponto de partida.

Seja por isso natural?

Portanto, o casamento é natural, todos nós estamos ligados a natureza. Por isso, ela é a mãe, a natureza quando se rebela, nós não temos noção. Vamos lá ver uma coisa: nós falamos de Deus, quando se chateia, o que é que ele faz, muito bem! Mas agora, o que é Deus para muitos? Para mim é Nzambi, Obatalá, Yeshua, mas o que é Nzambi? Nzambi é a natureza, ele demonstra-nos as suas acções por intermédio dos efeitos naturais, por intermédio dos fenómenos, destas componentes que nos rodeiam. Vamos ver as cenas catastróficas que acontecem nos outros países, cenas Sismicas, acidentes de fogo, como é que uma mata pega fogo durante um mês, três meses? Isto é incrível, como é que o sol chega ser um elemento que nos dá alegria diante de frio? Como é que o frio acaba por ser um conforto ou incomodo?

E o que nos caracteriza?

Nós temos vários elementos que nos caracterizam e dentro disto está a espiritualidade, infelizmente, nós as vezes fugimos da espiritualidade, é a qualidade humana! Se formos a igreja e falarmos da espiritualidade vamos dizer que é o certo. Espírito Santo é o certo, está bem, mas o quê é o espírito? Espirito é o ser puro que existe em cada ser ou em cada pessoa. É todo elemento que está dentro do seu templo, do seu corpo e um templo sem espírito é nulo. Então, nós importamo-nos muito com o templo, não nos importamos com  pureza que é o espírito. Esses elementos tornam-me num homem forte em aprofundar e ser consistente em alcançar os meus objectivos.

 

Lembra-se da música que lhe tenha impulsionado a decisão para se tornar músico?

Sim lembro-me. É a musica que dá titulo ao meu álbum, “O Lukwembo”. A minha avó, a minha mãe cantavam. Naltura eu era pequenino, e elas cantavam muitas vezes e eu nas costas a mãe a cantar ao mesmo tempo que trabalhava na lavra, o som se propagava pelas costas. A ressonância das costas parecia ser uma coluna de som nas costas da minha mãe. Eu ouvia isto constantemente. Adormecia ouvindo isto constantemente. É estranho, mas aquilo permaneceu comigo. Eu cresci com aquilo na memória, foi um implante terrível, então penso que depois esteve também em causa a convivência dos tios, primos a pisarem-me quando estivessem a dançar. Um gajo tinha que sair dai, bebezinho no cantinho com os meus panos e tal, era muito bonito. Eu só via os cotas a dançar, os pés sujos de poeiras, a dançar  o Ondjano Mandjata, eu alimentei-me disto desde pequeno.

Qual é o artista da nossa praça que lhe inspira?

A inspiração que se refere, que eu chamo de influência, vem de todos. Todos me influenciam, Gabriel Tchiema, o Isa, até o Kuduro influência-me. Tenho influência até mesmo do Kuduro, do Semba, Kizomba porque são elementos da terra, são elementos que nós utilizamos para manifestarmos um determinado sentimento cultural, e não podemos fugir disso. Eu se for a festa não vou dançar a minha dança, vou dançar a dança dos outros, e os outros não devem ser igual a mim, nem eu igual a eles. A diferença da musicalidade que os outros fazem é respectivamente aquilo que eles são em função do que eles fazem, eu devo respeitar este princípio.

O Ndaka Yo Wini é muito peculiar no que faz. Sente-se injustiçado por ter poucos prémios no seu repertório?

Eu tenho um prémio, até agora, o melhor prémio de melhor afro Jazz é meu, pela Rádio Luanda.

Não acha que merecia mais, ou contenta-se com o que recebeu?

Eu acho que prémios, dinheiro, sucesso e mais coisas são consequências do meu trabalho e todo trabalho não deve ser feito com objectivo de alcançar o retorno, não! quer seja o retorno é consequência do meu trabalho, o artista não pode objectivar retorno, o artista deve objectivar trabalho. Que o retorno seja consequência porque a nossa arte é imaterial. Materialismo é o destino, mas o destino do materialismo na arte é um destino por consequência. Por isso, é que o artista tem de ter um agente e ter uma estrutura. Não é o artista que vai em busca destas soluções. Portanto, nós estamos divididos por ideologias, ideologia comercial e ideologias de criador. A minha ideologia é de criador e  o comercial que é o agente económico, este individuo é que vai em busca dos pressupostos económicos destes agregados, para poder retornar o valor do artista.

Está querer com isto dizer que os artistas devem necessariamente ter um agente?

O artista deve ter um agente, agora a questão é que tipo de agente, de que se compõe a qualidade deste agente, para servir a determinados artistas.

Quais são as dificuldades que enfrenta no cenário musical?

A primeira dificuldade é a falta de músicos que levam seriamente a arte. Se fizermos uma estatística, nós temos muito poucos músicos no mercado, os mesmos músicos tocam com quase todos. Existe países que conseguiram criar fundos económicos ou engrandeceram a sua caixa de tesouro, por intermédio da arte e cultura. É importante que o artista tenha uma patente que o possa dignificar, e que estes artistas sejam uma marca. Tem de se criar marca. Eu não posso criar marca, por exemplo, com um artista que toca com mais de cinco músicos.

Porquê?

Sabes o que vai acontecer? Já não será a marca! Vejamos os Beatles, porquê Beatles? É difícil ver os Beatles a tocar com vários artistas, sem querer comparar, claro, aquilo é um outro campo da evolução, mas é assim que se eterniza, é assim que se faz estruturas sérias de bandas, porque é música ao vivo, tem de haver marcas. Temos poucos músicos a trabalhar profundamente.

E o que acha disso?

Eu acho que poderíamos ouvir mais as músicas antigas, perceber mais os cotas como é que trabalhavam com as dificuldades que tinham, sem condições, mas a maneira como trabalhavam, conseguiam combinar a qualidade com quantidade. Hoje temos esta preocupação, os jovens devem pensar pela arte como um elemento vida, não como hobbie, não um elemento de gosto de tocar, não! O outro ponto é a valorização dos artistas. Infelizmente, aqui os artistas são valorizados por distinção. É necessário distinguir o fulano, se faz este ou aquele estilo. É necessário que tenhamos a arte e a cultura como um só corpo e a cada género um estilo, como um órgão que compõem este corpo. Então, se tu dares a água neste corpo, todos os órgãos alimentam-se.

Se tiveres que escolher uma personalidade da sociedade, que admiras e que gostarias que fosse ouvinte das suas músicas, quem seria?

Sinceramente seriam os meninos de rua, zungueiras, mais velho no beiral, toda aquela gente que está vulnerável, toda aquela gente que carece de um clima de consolo, porque eu acho que tem momentos em não basta o que nos é dado, nem os aplausos, nem as gritarias que por ai por vezes sonam. Aqui é a devolução de um sentimento porque é dali onde agente veio, gentes que hoje em dia encontram-se cabisbaixas, descobertas, sem nada para se cobrir. Se cantasse, se calhar ia aliviar porque a música é um elemento que sara alma. Quantas almas feridas existem por aqui? Identificadas e não identificadas? São várias! Se a minha voz pudesse chegar até a eles, eu acho que seria gratificante.

Então, para o Yo Wini, qual é a maior alegria que um artista poderia ter?

A melhor alegria que um artista pode ter na sua carreira é não parar de cantar, é ter sempre actividades. Qual é a melhor alegria de um funcionário público? É ter emprego, por eminência um trabalhador. A nossa alegria vem do palco, é termos sítios para actuar. É termos espaço suficiente para trabalhar. O palco do artista é considerado como escritório do artista. Quando se está no palco estamos no escritório. Quando se fica um, dois, três meses sem trabalhar, qualquer um  põe-se na posição de um artista que fica esse tempo, está desempregado. A nossa alegria não está na obtenção de bens, de  carros, não. Está em trabalhar, porque se eu estiver em palco, num país organizado, estou a pagar taxa, estou a contribuir. Quando estiver em palco estou a exercer uma função pública, na qual troco energia com as pessoas, na qual transmito conhecimento, sobretudo eu como pesquisador transmito conhecimento em palco, consigo sarar as feridas.

Sei que já falou dos artistas, mas ainda assim insisto. Que opinião tem sobre as qualidades das músicas hoje? Há aquelas que não passam de barulho para os ouvidos dos ouvintes.

Acho que tem de haver tudo e para todos. A questão de apreciação daquilo que é a qualidade musical em Angola, no cômpito geral, eu penso que temos que saber interpretar. Nós estamos avançados, nós não estamos desenvolvidos. Atenção! Música em Angola está boa no ponto de vista de expansão. E alcance tecnológico para facilidades de produção musical, de compreender a produzir a música, mas do ponto de vista de conhecimento e transmissão cultural, nós estamos com dificuldades muito sérias.

E o que é pior?

O pior de tudo, é que existem pessoas responsáveis, entidades que são responsáveis que ainda fomentam a mediocridade na arte, infelizmente. Entidades que ajudam a promover e ao mesmo tempo ajudam despromover a educação. Porque, quando eu, por exemplo, ouço de um artista que cometeu uma falha, é óbvio, ele é ser humano. Não vamos julgar! Se te achas competente vai ter com essa pessoa cometeu uma mas não vamos julgar se tú achas-te competente para ter com essa pessoa, vâ la ter e diz a essa pessoa que você errou, que não é assim, e a melhor ajuda é o psicólogo fulano, dependentemente do grau de severidade ou grau da gravidade que este individuo terá cometido.

Fale-nos dos seus novos projectos?

O meu álbum já terminou, falta agora misturar e masterizar. Estamos atrás de apoio para alcançar os Euros, porque infelizmente a nossa indústria musical, ainda não está ao nível de fazermos um trabalho bem acabado, no ponto de vista técnico. Ainda estamos a nos arranjar, claro que existem nalguns lugares que fazem, mas dependentemente da qualidade que se exige.

Portanto, a filtragem toda é feita lá fora. Estou nesta fase a terminar o trabalho e título do Album chama-se Olukwembo, que é uma música composta pela minha avó e minha mãe em 1954. Eu canto com a minha mãe nesta música. Ela é que faz a abertura. Não tenho uma data a me mencionar quanto ao lançamento porque é um bocadinho subjectiva porque há sempre falhas, as vezes até o contentor pode estar fechado

 Deixe uma mensagem aos seus fãs e para aqueles que vão entrando no cenário da música.

Mensagens para os fãs, agradeço imensamente pelo apoio e carinho que têm prestado, que continuem a esperar, 2018 sairá o meu album.

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