Informação pré-fabricada: Antes mal-informado do que desinformado?

Por: Antónia Gomes

Estamos numa era em que se torna necessáio sentar e conversar abertamente sobre a liquidez, a velocidade e o excesso de informação dos quais somos diariamente vítimas. Sim, disse somos. Apesar de contribuir, activa e proativamente, na asfixiação da comunidade consumidora de conteúdos da actualidade e de interesse comum, até mesmo eu sinto este peso esmagador e a força incontrolável de verificar se o mundo continua igual passados cinco minutos.

No início dos tempos, as únicas novidades, digo notícias, que os seres humanos precisavam e tinham acesso eram, literalmente, as do vizinho do lado e se este tivesse saído para caçar, simplesmente esperavam. Muito rapidamente caímos numa era em que pouco permanece igual, nem mesmo estruturas assentes no chão desde que somos civilização. Tal como a natureza e a humanidade, consequentemente as sociedades mudaram as suas estruturas.

O Jornalismo, como Instituição Social, as suas formas e seus formatos também precisaram rapidamente de um “upgrade”. A sociedade actual tem na palma da mão bilhões de informações compactadas em 17 centímetros de tecnologia e mesmo assim às vezes sabe a pouco, querendo e precisado de mais informações, e a sua qualidade foi pouco a pouco deixada ao cuidado do esquecimento. Importa agora a quantidade. Quantidade medida em megas, em polegadas, em tempo de bateria, quanto mais, melhor, como um alcoólico sentado num bar, só paramos quando se nos acaba o saldo, a bateria ou a vida. Falar sobre isso parece ser pouco relevante, uma vez que não envolve nenhum escândalo político, sexual e também não é uma demonstração factual que comprova que a terra seja plana. Mas o facto de pessoas concordarem com a teoria da terra plana pode ter directamente a ver com a porrada de informações que recebemos todos os dias. Por isso, ler inutilidades pode derreter os lindos neurônios formados ainda no ventre das nossas mães com a rica ajuda de, sabe Deus, quantas doses de ácido fólico. O que quero dizer, e perdoem o carrossel, é que a informação também pode causar dependência.

É preciso entender como chegamos aqui. Para entenderemos o que se passa que pode ter várias abordagens, escolho olharmos para a sociedade como outrora o polaco Bauman analisou e identicou-a como sociedade liquidomoderna. Para o sociólogo e filósofo, este tipo de sociedade é entendida como aquela cujos seus agentes mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir. Ou seja, isto também aconteceu à forma de investigação, recolha, produção e veiculação das informações. Vivemos numa era de informação pré-fabricada, informações colocadas numa liquidificadora, posta em moldes e vendida aos molhos. Zygmunt Bauman diz que o “homem sem vínculos” – o que ele considera ser o cidadão da modernidade líquida– precisa de produtos pré-fabricados, o que não seria diferente para o caso das informações.

Os aspirantes a jornalistas aprendem a construir notícias curtas, rápidas de se ler e sem rodeios porque, supostamente, o leitor não tem tempo. A informação pré-fabricada pode ser entendida como uma “fórmula” universal para se redigir uma notícia e assim mais apelativa e menos maçante para o recetor. Num momento tínhamos o jornal, noutro a rádio, o cinema, a televisão e a tudo isso adiciona-se a internet. Com o passar do tempo, temos a impressão de que há demasiada informação para ser lida, compreendida, aceite ou rejeitada e só então armazenada para posterior utilização. O tempo nunca nos pareceu tão curto como agora.

Nem todos nós desenvolvemos a capacidade de identificar um fenômeno que já era motivo de preocupação desde a década de noventa, a infoxicação, pensada pelo físico espanhol Alfons Cornella. A asfixia por informação está bem escondida e disfarçada na falsa necessidade de ter a informação em primeira mão e estar “bem informados”. Existe na sociedade actual um tal desespero, uma urgência quase física de ser atingido violentamente pelo máximo de informações, masoquismo à parte!… A curiosidade despertou em mim a necessidade de observar as pessoas à minha volta, nada a ver com voyeurismo. Com o tempo a observação imaculou-me as lentes o que me permitiu esclarecer o equívoco que existe na ideia de que o público procura estar informado. Na minha visão, com o mínimo de juízo de valor possível, há uma vasta parte da sociedade que busca informações para fazer parte de uma conversa, para fazer parte de um grupo, ainda que por um dia, como se de uma efeméride se tratasse.

O que se verifica como preocupação principal é a verificada dificuldade de concentração, raciocínio limitado e facilmente influenciável. Com tanto ruído de informação, fica cada vez mais difícil parar para refletir, elaborar pensamentos e desenvolver ideias. E como para qualquer problema há sempre uma corrida para encontrar o miserável. Pesquisa feita e o primeiro dedo acusador, recai sobre a mídia social, pelo que cito a psicanalista Inez Lemos que defende que os mass medias assassinam o pensamento e castram a reflexão. É normal que tal como a psicanalista, muitas visões afunilam-se para o mesmo ponto. Mas vejamos, é verdade que os meios de comunicação criam, manipulam, ou melhor, cuidam e tratam da mensagem para que esteja ao alcance do utilizador, “promovem” determinados temas e incitam os debates sobre os mesmos. Mas isso nunca foi segredo. O problema aqui está em acreditar que são os “jornaleiros” que deturpam e impedem o caro leitor de filtrar e escolher as informações que recebe. O culto à boa leitura, à verificação das fontes e à capacidade de argumentar sem ler os comentários com mais gostos, não devem ser atribuídas aos meios de comunicação, pouco ou nenhum poder temos sobre isso.

É claro que não estou cá para defender as partes, não faço parte dos adoradores da doutrina da culpabilização de terceiros e acredito piamente, depois de ler Bauman com a devida atenção, que a deficiência deste fenômeno esteve sempre confortavelmente sentada na base da solidez da sociedade. A verdade é que os sólidos encontrados talvez já teriam sido desprezados e condenados à liquefação por estarem com as costuras frágeis. Resumo: somos maus leitores e péssimos cultivadores de leitora útil. Vemos com regularidade, a ignorância dividir a população em polos, em que o meios termos é para fracos, e num piscar de olhos formam-se extremos de ideais políticos, religiosos e sociais.

Mas atenção, ainda não é o fim. Nesta era em que bastam dois polegares para espalhar meias verdades, isto pode ficar pior.

Não acredito que haja já maneira de resolver a situação sem outro dilúvio, mas há formas de aligeirar paulatinamente. E graças ao meu superpoder de dar conselhos sem que ninguém peça, venho oferecer poucas, mas eficazes sugestões para lidar com a infoxicação.

Escolha tópicos de interesse ou utilidade pessoal;

Leia menos e com mais profundidade.

Limite o seu tempo de leitura e fontes de informação ao estritamente necessário.

Não fique refém dos dogmas alheios. É imperativo verificar as fontes e, na dúvida, recomendo evitar fazer figura de urso e não partilhar qualquer informação.

Arranjar tempo para entender, filtrar e pesar os factos, evitando os juízos de valores pré-concebidos. A precipitação leva ao arrependimento.

Os passos parecem curtos, mas requerem do seguidor alguma disciplina e senso da responsabilidade social que carrega como animal social, como nos chamou Rousseau. Importante lembrar que “a tecnologia da informação é uma biblioteca de pedacinhos de fragmentos sem algo que os reúna e os transforme em sabedoria e conhecimento. Isso destrói certas capacidades psicológicas, como atenção, concentração, consistência e o chamado pensamento linear. Quando se estuda um assunto de forma consistente e o esgota, vai-se até o fim” [Bauman].

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