Edwin Dos Santos Carvalho- Docente Brasileiro De Comunicação
O jornalista de dois prémios
“Estudantes do Brasil e de Angola possuem dificuldade para produzir textos científicos”
Edwin dos Santos Carvalho é jornalista formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, no Nordeste brasileiro. Possui Especialização em Jornalismo Económico, Mestrado em Estudos da Mídia e actualmente é doutorando do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), no Sul do Brasil. Já actuou como repórter de Economia e Política do antigo jornal Diário de Natal, veículo em que conquistou dois prémios de jornalismo em seu país. Versátil, dos Santos actuou em rádio, televisão e assessoria de imprensa. É, entretanto, professor efectivo do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Cariri (UFCA), no Estado do Ceará, Brasil, desde 2012.
“O aluno não é uma caixa vazia em que o professor deposita o conteúdo”
O docente universitário brasileiro, do curso de Comunicação, esteve em Angola para efeito de investigação do modo como o ensino da Comunicação é feito em Angola. Em entrevista exclusiva ao Notícias de Angola, disse, quando analisava sobre o que lhe incomoda na sala de aula, que o aluno não é uma caixa vazia em que o professor deposita o conteúdo. O também vencedor de dois prémios de jornalismo, faz uma comparação do jornalismo angolano com o brasileiro. Assuntos como a democratização do jornalismo, a abordagem da Record e a Globo sobre o presidente Lulas são analisados em pormenor pelo entrevistado.
Eis a conversa:
2-O que lhe traz à Angola?
Decidi começar a minha pesquisa de Doutoramento em Angola pelo fato de ser o país africano de língua portuguesa que apresenta o maior número de cursos nas áreas da Comunicação Social e do Jornalismo. Durante os quase dois meses em que estive no país pude visitar oito instituições de ensino e conhecer diferentes propostas curriculares voltadas para a formação de profissionais da área da comunicação. Também escolhi iniciar minha pesquisa pelo país por já ter uma relação afectiva com Angola. Tenho familiares que vivem em Luanda e que, por sinal, já me haviam feito convite para que os visitasse.
3- Insisto-lhe! Porquê escolheu fazer suas pesquisas de doutoramento em países africanos? E qual é o tema de pesquisa?
Desenvolvo uma pesquisa sobre as experiências de ensino de Jornalismo nos países africanos de língua portuguesa. Escolhi este tema por ser inédito no Brasil. Há algumas pesquisas sobre a imprensa em países africanos, mas nenhuma especificamente sobre o ensino de Jornalismo no conjunto dos países. Já há muitos estudos sobre o campo da comunicação e do jornalismo na Europa e nos Estados Unidos. Entretanto, nós brasileiros não sabemos quase nada sobre a realidade dos nossos povos irmãos no continente africano. Escolhi a África de língua oficial portuguesa para, através da minha pesquisa, contribuir para uma maior cooperação académica entre os países de língua portuguesa na área do Jornalismo. Espero que a minha pesquisa abra portas para que outros estudos similares possam ser produzidos em Angola e em todos os PALOP.
4-Soube que tem feito visitas à diversas Universidades onde são leccionados Cursos de Comunicação Social, qual é o teu ponto de vista relactivamente a qualidade de ensino e a entrega dos estudantes nas salas de aulas?
A formação superior em Comunicação Social em Angola é muito recente, comparada ao Brasil. O primeiro curso superior na área, em Luanda, surgiu em 2002. Portanto, estamos a falar de apenas dezasseis anos de formação. Notei um grande empenho dos coordenadores e professores dos cursos para fortalecer e consolidar o ensino de comunicação no país. Há, por exemplo, um esforço enorme dos docentes no sentido de superar as dificuldades provenientes da falta de laboratórios na maioria das instituições. Em relação aos alunos, tive a alegria de interagir com muitos deles. Centenas participaram da pesquisa, respondendo questionários e participando das aulas e palestras que ministrei em Angola. São jovens muito conscientes e ávidos pelo conhecimento. Vi o brilho nos olhos de muitos deles quando falavam sobre a paixão pelo jornalismo.
5- Qual é a realidade do funcionamento dos cursos de Comunicação no Brasil? Falo propiamente de Comunicação Social e Ciências da Comunicação.
Desde o ano de 2015, os cursos de Comunicação Social do Brasil passaram a ser de Jornalismo. Há também outros cursos na área da comunicação, como Marketing, Publicidade e Propaganda e Relações Públicas. Mas, as novas Diretrizes Curriculares Nacionais, instituídas pelo Ministério da Educação, definiram um novo modelo de formação em Jornalismo, mais específica, e com o aumento do número de disciplinas práticas desde o primeiro ano do curso. Mesmo com o fim da obrigatoriedade do diploma superior para o exercício da profissão de jornalista, ainda existem centenas de cursos de Jornalismo no Brasil, todos com muita procura pelos estudantes.
6-Como docente Universitário, o que lhe preocupa mais na sala de aulas e o que notou de diferente na realidade angolana dentro das Universidades?
Primeiro, quero destacar que não acredito que o professor seja um mero transmissor de conhecimento. O processo de produção do conhecimento é mútuo e envolve necessariamente o estudante. O aluno não é uma caixa vazia em que o professor deposita o conteúdo. Ao participar das aulas com os estudantes de Comunicação Social de Luanda, nós aprendemos juntos. É assim também no Brasil. Segundo, não consigo vislumbrar uma formação superior em qualquer área sem a integração entre teoria e prática. Mesmo naquelas instituições que ainda não possuem laboratórios, a prática também é realizada de alguma maneira. Minha pesquisa identificou diversas práticas pedagógicas adotadas pelos professores de Angola para suprir a carência de laboratórios em alguns cursos.
7-Dificuldades na recolha e tratamento de temas para as monografias, tem preocupado muitos estudantes e até mesmo à direcção de muitas Universidades. De que forma ás Universidades no Brasil têm orientado os estudantes na escolha de temas, qual tem sido a metodologia de avaliação e como podem as suas congêneres de Angola aprender?
Estudantes do Brasil e de Angola possuem dificuldade para produzir textos científicos. Isso porque, ao longo da vida escolar, os alunos são pouco estimulados ao exercício da pesquisa. É preciso, em ambos os casos, estimular mais a produção de textos acadêmicos. Como professor, tenho enfrentado a dificuldade de leccionar para jovens que lêem cada vez menos e que se acostumaram a escrever pouco, de forma extremamente resumida, com a linguagem da internet. Acontece que o texto acadêmico é denso, requer pesquisa, aprofundamento e isto não é fácil de fazer. Somente com o estímulo à produção científica é que iremos melhorar a qualidade dos trabalhos finais de curso.
8- Defende-se que a comunicação digital é o futuro do Jornalismo. Tem alguma opinião diferente?
A comunicação digital não é o futuro, mas o presente do jornalismo. No Brasil, os jornais que não souberam acompanhar o avanço das mídias digitais fecharam as portas. Esta é a realidade do Brasil e será também a de Angola. Estamos a falar sobre um fenômeno mundial, irreversível. Não acho que a internet vá destruir os outros medias, mas vai exigir novos formatos de jornalismo e criar novos públicos. Angola já possui uma boa experiência de comunicação digital e será preciso que os cursos de Comunicação Social e Jornalismo acompanhem esta tendência sob pena de ficarem ultrapassados.
9- Como avalia a democratização do Jornalismo angolano e o que diferencia da realidade Brasileira?
Nas sete semanas que permaneci no país visitei vários veículos. Entrevistei dezenas de jornalistas, dei entrevistas, assisti telejornais, ouvi os programas de radio, li jornais.
Percebo claramente que Angola começa a viver uma maior abertura política. Li críticas ao governo nos veículos de comunicação públicos, o que era impensável até bem pouco tempo. Participei de debates sobre democracia e os media. Acompanhei protestos contra o sistema de repatriação de capitais no país, vi a greve dos professores. São todas manifestações legítimas em um regime democrático. Acredito que o povo angolano irá exigir cada vez mais uma imprensa livre, sem censura. Foi assim também no Brasil. De um modo geral, o jornalismo que se faz em Angola é muito parecido com o do meu país, afinal, os brasileiros inspiraram muitos profissionais da imprensa angolana, como eles próprios me disseram. Mas acho que em Angola há um cuidado maior com o conteúdo. No Brasil, lamentavelmente, alguns jornalistas tendem ao sensacionalismo, a um modelo de jornalismo agressivo, que está mais preocupado em prender a audiência que propriamente defender o interesse público. Os jornalistas angolanos, especialmente os de rádio, são mais formais, o que não é um problema. Ao contrário, a seriedade é uma característica importante do jornalismo.
10-Que avaliação faz, do ponto de vista jornalístico e da Investigatigação da comunicação, do impacto que têm causado ás duas principais cadeias televisivas do Brasil, Record e a Globo relactivamente a prisão do ex-presidente Lula?
As duas emissoras julgaram o ex-presidente Lula antes mesmo da Justiça. A Globo, especialmente, junto com a revista Veja, foi a grande responsável pela execração (acção de odiar alguém) pública da imagem do ex-presidente no Brasil e também em Angola. Quiseram vender para o mundo a imagem de que ele era o maior corrupto do nosso país. Não sou advogado nem tenho elementos para garantir a inocência do ex-presidente, mas como alguém que tem algum conhecimento e experiência na área da comunicação, não tenho a menor dúvida que o tratamento que essas emissoras deram ao Lula nem de longe é o mesmo que deram aos muitos outros políticos brasileiros envolvidos em escândalos de corrupção, entre eles, o actual presidente Michel Temer. Hoje o Brasil é um país dividido politicamente e essa divisão foi favorecida pela forma como uma parcela da mídia fez e faz a cobertura política.
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