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Ativista preocupado com desvalorização da educação na Guiné-Bissau

Um ativista social dos direitos da criança na Guiné-Bissau, Seco Sidibé, manifesta-se preocupado pela desvalorização da educação no seu país, em particular, e em África, em geral.

Ativista Guineense – Seco Sidibé

“É complicado viver num país em que a educação não é valorizada. A educação deve ser vista como uma questão transversal que pode mudar a Guiné-Bissau no sentido económico, social e político. A educação familiar é fundamental para a criança”, indignou-se Sidibé, numa entrevista exclusiva ao Notícias de Angola, nesta quarta-feira, em Luanda, onde se encontra em visita oficial de 11 dias, iniciada sexta-feira última.

Denunciou também dificuldades de acesso à educação, a falta de condições em muitas famílias e o elevado número de crianças fora do sistema do ensino no seu país e um pouco em toda África.

De acordo com dados avançados pelo activista, só na Guiné-Bissau existem cerca de 40 por cento de crianças fora do sistema do ensino nacional e quase 60 por cento dentro mas confrontados com grandes dificuldades económicas e estruturantes, que vão desde a falta de salas de aulas adequadas, a falta de professores até a greves constantes dos mesmos.

“É complicado viver num país onde a educação não é valorizada, e onde as escolas do Estado deviam pautar por um ensino de qualidade. Mas, elas deixam a questão do ensino fora das prioridades, isso fez com que várias escolas privadas fossem surgindo. As privadas, muitas vezes, são comerciais e os pais querem que os seus filhos estudem mas acabam por levar as crianças a escolas que, em termos de organização, são muito próximas (das públicas). As crianças acabam por ter dificuldades de aprendizagem. Apesar de ter nível, a quantidade de conteúdos acaba por ser insuficientes para o aprendizado”, lamentou o ativista.

Secou Sidibé frisou que, “com a criança como a nossa prioridade, podemos construir uma nação e um Estado com um futuro”.

Apesar destas dificuldades, prosseguiu, o índice de escolaridade, de um tempo a esta parte, tem evoluído bastante graças a ajudas de organizações internacionais, como as Nações Unidas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e do Plano Internacional que têm construído escolas, financiado o pagamento de professores e encorajado os alunos a irem à escola.

Pode considerar-se que, actualmente, 50 por cento das crianças frequentam o ensino de base, indicou o activista, para quem há ainda um desafio enorme da construção do próprio sistema de ensino, da actualização do currículo escolar que “nós defendemos enquanto organizações de defesa dos direitos da criança”.

Também se queixou de constantes greves dos professores no ensino de base (ensino público).

Afirmou que, no ano transacto, houve um grande problema que colocava o Governo no dilema de anular ou não o ano lectivo, porque, frisou, apenas 34 por cento do ano lectivo foi aproveitado dentro das salas de aula e os restantes foram só greves atrás de greves.

“Não conseguimos ter um ano lectivo que possa ser validado ou considerado aproveitado”, indignou-se.

No que diz respeito ao analfabetismo, por parte de crianças de rua, ele indicou que, na Guiné-Bissau, “não há crianças de rua, mas sim crianças na rua, que não moram na rua”.

Estas passam por um processo chamado de “crianças talibés”, em que os pais doam os filhos aos líderes religiosos para lhes ensinar o Corão mas os mestres corânicos mandam-nas para as ruas para pedirem esmolas, a fim de as poderem sustentar, segundo Sidibé.

Mas, agora, o governo criou uma legislação que proíbe esta prática, embora ainda existam algumas crianças a mendigarem, mas pontualmente o governo tem actuado de forma a desencorajar este fenómeno de deixar as crianças nas ruas para pedirem esmolas em vez de estarem em salas de aulas, revelou.

Quanto a educação no seio da família, relativamente aos “talibés” (crianças mendigas), Sidibé disse que a sociedade na Guiné-Bissau “muito conservadora e isso tem travado a nossa luta pela  implementação da conservação dos direitos da criança”.

Ativista Seco Sidibé

A seu ver, há padrões internacionais dentro da convenção que devem ser respeitados, “mas devido a construção da nossa sociedade muito conservadora, temos tido um entrave. Contudo, nós exigimos que as crianças sejam educadas de forma a desenvolverem o seu potencial, de forma a poderem ter um aproveitamento do ensino e uma aprendizagem para, no futuro, termos o país que sonhámos”.

Também afirmou que a sua organização está a trabalhar muito com os pais, organizando associações de pais e encarregados de educação, o que, em seu entender, tem sido “um braço fundamental na nossa estratégia de educação familiar”.

Para ele, a educação familiar é fundamental porque uma criança, que não vive numa estrutura familiar para ser educada, é diferente de uma criança que vive numa estrutura familiar.

Trata-se dum trabalho muito difícil, a que se junta a pobreza no país, segundo o orador.

“Os pais, muitas vezes, tiram seus filhos e mandam-nos irem para mestres corânicos por falta de condições nas suas casas ou então mandam-nos irem para casas de parentes. Isto tem a ver também com o alto nível de gravidezes precoces. As pessoas engravidam sem terem estruturas económicas básicas.

Em termos estatísticos, ele disse acreditar que, por falta da educação sexual, devido à conjuntura do país, pode dizer-se que, em cada cinco raparigas, pelo menos duas passaram por isto ( gravidez precoce).

Quanto ao combate a estas práticas e à escravatura sexual contra crianças, o activista frisou que o turismo, muito frequente nas ilhas, tem trazido um debate profundo sobre estas matérias.

Indicou que o debate sobre estas matérias resultou na criação de um código de conduta para estabelecimentos turísticos, que proíbe abusos sexuais a menores.

“Mas até agora, o que nós defendemos, enquanto organização, é  que isto seja um processo educativo, e que a educação sexual deva estar patente no currículo escolar e ser uma matéria discutida e ensinada às crianças”.

A seu ver, uma criança não educada dificilmente sabe como lidar com questões ligadas à sexualidade e acaba por aprender na rua. O processo de aprendizagem na rua cria “o que chamamos de má aprendizagem” e resulta sempre em gravidezes precoces.

“Por termos uma sociedade muito conservadora, prosseguiu, os pais acabam por mandar as filhas para casamentos forçados e tem sido bastante difícil lidarmos com esta situação, porque o casamento antes dos dezoito anos de idade cria um problema de ilegalidade que o governo proíbe através das legislações nacionais”, deu a conhecer.

Interrogado sobre práticas negativas, ligadas às crianças, o ativista mencionou como maior fenómeno, no seu país, a questão das crianças “talibés”, crianças entregues pelos próprios pais para aprenderem a leitura do alcorão.

Mas, estas, acabam exploradas, mendigando e pedindo esmolas nas ruas. No fundo, elas não aprendem o alcorão, explicou.

Ele deu um exemplo de um primo seu que deixou Bissau para a capital do Senegal, Dakar, onde acabará atropelado.

“Eu tenho este testemunho e passo-o às pessoas. Quando as crianças saem da Guiné-Bissau para o Senegal, não vão para aprender o alcorão, Vão para serem exploradas e este é um fenómeno que nos atinge muito. Agora, há também a questão do futebol. Crianças são levadas para a Europa com intenção de jogarem futebol. Mas, postos lá, são exploradas. Devido à fragilidade do nosso país e à pobreza, as crianças acabam por entrar num esquema de tráfico onde muitas são mandadas para Portugal. Esta tem sido uma das situações mais debatidas no seio de organizações juvenis e de defesa dos direitos da criança, para se fazerem melhores propostas aos governos lusófonos no sentido de termos uma resposta mais firme a este fenómeno que é o tráfico de crianças”, indignou-se.

Seco Sidibé é um jovém ativista Guinensse de 24 anos de idade, Já foi presidente do Parlamento Infantil da Guiné-Bissau de (2009 a 2014), Coordenador do Movimento “República di Mininus Hoje”, que congrega mais de 350 organizações juvenis e infantis. Consultor internacional da CPLP para o Fórum do Parlamento Infanto-juvenil

Fundador da ONG Djito Tem que em Português significa resiliência. Actualmente trabalha como assessor do presidente da Assembleia Nacional Popular para Assuntos da Juventude e Criança e estuda Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Lusófona de Bissau.

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