Protegendo a Dignidade dos Passageiros Cegos no Futuro do Ehailing em Angola
Maria, uma mulher cega em Joanesburgo, tinha todas as razões para acreditar que
a sua viagem por aplicativo seria simples. Tocou em “Solicitar Viagem” no telemóvel,
recebeu a confirmação do motorista e esperou no passeio com o seu cão-guia. Mas,
no momento em que o motorista parou e viu o Labrador ao lado dela, a reserva foi
abruptamente cancelada.
Por: Ayanda Holo (Presidente da TV BRICS)
“É como se a gente desaparecesse”, contou-me mais tarde. A promessa do que
esta tecnologia deveria oferecer – independência, segurança, dignidade –
desmoronou-se no instante em que um motorista escolheu o preconceito em vez da
política da empresa. O que se seguiu para Maria não foi apenas o transtorno de ter
de organizar outra viagem. Foi a perda de confiança num serviço que deveria
empoderar exactamente aqueles que mais dependem dele.
A história dela repete-se milhares de vezes em cidades ao redor do mundo. Na
Cidade do Cabo, as recusas tornaram-se tão comuns que a Associação Sul-africana
de Cães-guia levou a empresa-mãe da Uber, sediada nos Países Baixos, ao
tribunal, argumentando que declarações de acessibilidade não significam nada sem
uma implementação efectiva. Na Austrália, uma mulher com deficiência visual
contou: trinta e duas recusas em três anos, motoristas a mandarem-na reservar pelo
“Uber Pet”, alheios ou indiferentes à lei que torna a discriminação contra cães-guia
um crime.
No Reino Unido, passageiros cegos têm recorrido à justiça contra motoristas com
base na Lei da Igualdade – não porque gostam dos tribunais, mas porque o seu
direito legal a um serviço igualitário tem sido violado de forma sistemática. No
Canadá, foi apenas após intensa defesa de direitos que a maior organização de
cegos do país conseguiu tornar obrigatória a formação em sensibilização para a
deficiência dos motoristas nas grandes plataformas. Já em Tóquio, a indústria de
táxis, apoiada pelo governo, demonstrou o que a tecnologia inclusiva pode alcançar,
com aplicações de táxi que suavemente integram recursos de acessibilidade e
mecanismos de monitorização de conformidade.
Nas raizes destes exemplos está a mesma realidade: quando o direito à mobilidade
das pessoas cegas é deixado ao acaso, as consequências são particularmente
prejudiciais. Não se trata apenas de consultas perdidas ou planos adiados. Cada
recusa deixa uma marca – na confiança, na independência e na dignidade.
Quando questionei o Governo de Angola sobre esta tendência, a resposta foi clara:
“O Governo de Angola tem procurado assegurar que o rápido crescimento do sector
de transporte por aplicativo se traduza não apenas em inovação tecnológica, mas
também em acesso real, equitativo e digno para todos os cidadãos, incluindo
aqueles com deficiência visual que dependem destes serviços para garantir a sua
autonomia, as suas deslocações diárias e o acesso aos serviços de saúde.”
A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) está agora a concluir o
Regulamento específico para os táxis por aplicativo, que deverá estabelecer
obrigações de serviço público para as plataformas, incluindo requisitos de
segurança e, potencialmente, de acessibilidade. O Regulamento prevê que as
plataformas disponibilizem veículos adaptados, impondo um tempo de espera
reduzido, tornando obrigatória a transportação de cães-guia de cidadãos com
deficiência visual, bem como o transporte de cadeiras de rodas e outros meios de
mobilidade assistida – garantindo que nenhum passageiro possa ser recusado por
motivos de deficiência, origem social, idade, sexo ou condição económica.
Angola encontra-se agora à beira do mesmo precipício. O mercado de e-hailing no
país, ainda em fase inicial, está a expandir-se rapidamente através de operadores
globais como Yango e Heetch, bem como de operadores locais mais pequenos em
Luanda, Benguela e outras cidades, como a T’leva e a Kubinga. Para os cerca de
160.000 angolanos que vivem com deficiências visuais, estes serviços deveriam
representar uma oportunidade de maior independência. Mas, sem uma preparação
deliberada, correm o risco de reproduzir os mesmos hábitos discriminatórios
observados noutras partes do mundo.
A base legal já existe. As autoridades de transporte esclareceram ainda que este
compromisso assenta num quadro jurídico sólido, em especial a Lei No. 10/16,
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Lei das Acessibilidades), que
consagra o princípio da acessibilidade universal e obriga os serviços públicos e
privados, incluindo o transporte, a garantir condições adequadas para as pessoas
com deficiência.
No entanto, a legislação e a realidade vivida são duas coisas muito diferentes e, até
agora, o transporte privado por aplicativo não dispõe de directrizes específicas nem
de uma aplicação consistente no que toca a passageiros acompanhados de cães-
guia. Em recentes conversas com associações de defesa em Luanda, vários
residentes cegos admitiram evitar totalmente as viagens por aplicativo. Surgiram
relatos de amigos deixados a esperar mais de uma hora devido a sucessivos
cancelamentos por parte de motoristas, obrigando-os a desistir dos seus
compromissos. Outros contaram que recorrem a meios de transporte informais e
inseguros para chegar a consultas médicas de rotina porque, como disse um
homem, “nunca se sabe se o motorista vai aceitar levar-te”.
Essa incerteza pesa mais do que no plano emocional. Para muitos passageiros com
deficiência visual, o ehailing não é uma conveniência; é uma ponte para cuidados
essenciais – para clínicas, farmácias e hospitais.
Ser recusado numa viagem não significa apenas perda de tempo; representa
também desgaste emocional. Pode significar faltar a uma sessão de quimioterapia,
adiar um diagnóstico ou ficar sem medicamento vital por mais um dia. Angola não
precisa aceitar isto como um custo inevitável do progresso. Os erros cometidos
noutros países – do Canadá à Austrália – oferecem lições que podem ser aplicadas
já, enquanto o mercado ainda está numa fase inicial de desenvolvimento. A
mudança começa com o reconhecimento de que a acessibilidade não pode ser um
pensamento secundário. Plataformas como a Heetch e a Yango, entre outras,
devem exigir que todos os motoristas realizem uma formação significativa e
recorrente em acessibilidade. Mais do que uma lista formal de obrigações legais,
trata-se de um processo imersivo que utiliza as vozes e as experiências dos
próprios passageiros cegos para transmitir uma dimensão real do problema.
A tecnologia pode ajudar a preencher as lacunas entre a política e a prática. Um
recurso na aplicação que permita aos passageiros assinalarem, de forma discreta,
que viajam com um cão-guia poderia reduzir drasticamente o elemento de incerteza
nessas viagens. Essa notificação deveria surgir no ecrã dos motoristas muito antes
da chegada, acompanhada de um lembrete claro de que recusar o serviço não é
apenas inaceitável, mas também ilegal. Os cancelamentos de viagens assinaladas
deveriam ser monitorizados, investigados e sancionados, com reincidentes a
enfrentarem suspensão ou exclusão definitiva da plataforma.
A transparência será, em última instância, o factor que decidirá se estas medidas
terão significado. A publicação de relatórios trimestrais anónimos que registem os
pedidos de acessibilidade, as taxas de realização e os prazos de resolução de
queixas manteria a questão visível tanto para o público como para os reguladores. E
enviaria um sinal importante: isto não é caridade; é a construção de um sistema de
transporte que valoriza todos os passageiros de forma igual.
O argumento moral é evidente, mas o económico também o é. Estudos realizados
em várias partes de África sugerem que aproximadamente um em cada dez
residentes urbanos vive com uma deficiência. Para as empresas de transporte por
aplicativo em Angola, como a Yango e a Heetch, ou ainda as nacionais como a
Kubinga, oferecer um serviço verdadeiramente acessível poderia traduzir-se em
dezenas de milhares de viagens adicionais todos os meses. Também reforçaria a
fidelidade à marca e aumentaria as possibilidades de futuras parcerias com o
governo no sector dos transportes.
Ao agir agora, Angola tem a oportunidade de liderar onde outros tropeçaram. Um
sector de e-hailing inclusivo poderia tornar-se um modelo para a região, provando
que os mercados emergentes são capazes de unir inovação tecnológica com
equidade e visão estratégica. Em última análise, o sucesso da revolução dos
transportes em Angola não será medido pelo número de viagens reservadas, mas
sim pela garantia de que essas viagens chegam para todos.
Uma passageira cega, à espera de transporte em frente a uma clínica em Luanda
com o seu cão-guia, não deveria ter de se perguntar se a viagem que solicitou vai
chegar. Ela deve saber que sim – sem hesitação, sem demora, sem preconceito.
Essa é a promessa mais legítima do e-hailing. e está ao alcance de Angola
concretizá-la.
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