Por: Manuel Camalata
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A música surgiu como uma forma de a humanidade manifestar a sua arte vocal, rítmica e harmónica. Aliás, ela existe desde que o mundo é mundo e desde que o homem se conhece como gente.
Em Angola, na era colonial foi usada como instrumento não apenas de manifestação artística e de desabafo, mas, sobretudo como instrumento de comunicação para a disseminação e partilha de ideais angolanos contra as autoridades coloniais. Basta ouvirmos, por exemplo, as músicas de David Zé, Tony do Fumo, Urbano de Castro, Ngola Rítimos, Lourdes Van-dunem e Pedrito, para percebermos o valor que suas músicas carregavam além do simples acto de entreter.
Há quase duas décadas temos sido submetidos a humilhantes torturas e desconfortos psicológicos, através de conteúdos musicais que nos entram pelos ouvidos, principalmente nos estilos Kuduro e Rap/Hip-Hop (nada contra, até porque sou um bom apreciador destes estilos e admiro, por exemplo, Bruno M). Algumas dessas são músicas apenas por terem uma voz sobre uma batida instrumental, porque o resto só Deus!…
São conteúdos que mesmo ouvindo sendo tocados numa rádio que se tem sintonizada, o ouvinte fica sempre alerta de que a qualquer altura virá uma frase “matumburizada”, o que nos impede de ouvir confortavelmente as músicas nesses estilos.
Estou lembrado, por exemplo, de um casamento em que o DJ da noite foi enxotado da festa por ter tocado um Kuduro com conteúdo duro demais para os ouvidos dos convivas. Em algumas músicas quando a extravagância fica subentendida a mensagem é clarividenciada pela coreografia fabricada a propósito. Uma aberração total!
O pior é que são esses conteúdos musicais que fazem sucesso, até em festas de crianças, infectando-as com mensagens altamente tóxicas para a mente de qualquer indivíduo, e pior ainda para crianças e adolescentes, o que provoca uma alteração desastrosa nas suas mentes, tornando-os adultos em miniatura.
Apesar da necessidade de se preservar e respeitar a liberdade artística e o ganha-pão dos seus executores, é preciso que todos, nós pais, encarregados de educação, professores e, sobretudo o Estado angolano, consigamos impór limites a essa liberdade artística, que de tão livre que anda, já se libertinou demais.
Precisamos manifestar e preservar os nossos valores morais e culturais para nos impormos diante dos outros sem, no entanto, nos ridicularizarmos. O mesmo para a busca pelo sucesso e pelo pão.
Se os músicos não sabem que têm de vender o seu melhor produto e não algo qualquer, do qual que o consumidor sinta vergonha na hora de fazer uso, então temos de recorrer às leis da Economia, em que o Estado assume o seu exclusivo papel de regulador.
Quero com isto dizer que se pormos mãos a essa situação, a libertinagem há de párar. O amigo leitor deve estar lembrado, por exemplo, daquela música que terá levado Puto Português a fugir do companheiro e a optar pelo Semba, bem como de uma luta musical entre dois kuduristas de Viana, há mais de 15 anos, em que o Ministério da Cultura e a OMA tiveram de entrar no meio e instalar a paz…
Ao invés de continuarmos a assistir impávidos a essa aberração, para no final das contas assumirmos vergonhosamente as consequências, podemos muito bem jogar na antecipação e prevenirmos que a situação se torne insustentável, se é que ainda já não esteja.
Que tal criar-se uma lei que atribui à UNAC a competência de certificar todas as letras antes de qualquer músico entrar em estúdio, à semelhança do que já terá acontecido num passado não muito longíquo?!… Seríamos duramente criticados por “limitar a liberdade artística” dos nossos músicos ou estaríamos a manter ordem e a garantir o conforto e sanidade mental para a sociedade que consome a nossa música?
Perfil
Manuel Camalata, É Jornalista, Produtor e Editor no programa A Voz da Comunidade da Rádio Eclésia em Luanda.
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